A História Não Contada da Cigarra e da Formiga
Era uma vez, numa clareira ensolarada, uma pequena vila de insetos. Viviam ali a formiguinha Trabalho Sempre e sua inseparável amiga, a cigarra Cantarella Som do Sol.
Desde cedo, as duas se conheceram nas aulas de biologia da floresta. A formiguinha era aplicada, séria e pontual — sempre de óculos e uma prancheta com listas de tarefas. Já Cantarella... bem, Cantarella era leve como uma brisa de primavera. Amava cantar, compor músicas e dançar sobre as folhas enquanto o vento balançava as flores.
As estações passaram e, com o outono, vieram as primeiras brisas geladas. As folhas caíam lentamente, colorindo o chão com tons dourados e avermelhados. A formiguinha, sempre apressada, carregava sementes maiores que ela mesma, empilhando-as com cuidado dentro de sua toca.
— Não há tempo a perder! — dizia ela, com o rosto suado. — O inverno será rigoroso! Preciso armazenar grãos, folhas secas, e… onde coloquei a cevada mesmo?
Cantarella, por outro lado, estava sentada sobre uma pedra morna pelo sol da tarde, dedilhando seu pequeno violão de folha seca. Um grupo de insetos aplaudia suavemente ao redor.
— Ah, Traba, você se preocupa demais… — disse ela com um sorriso leve. — Ouça isso!
E então cantou uma melodia suave:
"Quando a noite chega fria,
Canto à luz da estrelinha..."
A formiguinha, ainda correndo de um lado para o outro, respondeu sem sequer olhar:
— Isso é lindo, Cantarella. Mas vai ver se melodia aquece o estômago no meio de uma nevasca!
— Talvez não aqueça o estômago... — disse a cigarra, olhando para o céu alaranjado — mas aquece o coração. E, cá entre nós, um coração quente ajuda a sobreviver a qualquer inverno.
A formiguinha apenas bufou, suspirando.
— Você sonha demais.
— E você... sonha de menos — rebateu a cigarra, com doçura.
Com o passar dos dias, o frio apertou. O céu escurecia mais cedo, e os campos antes floridos agora estavam gelados e desbotados. A formiguinha, com o corpo dolorido de tanto trabalhar, finalmente fechou a porta de sua toca. Lá dentro, acomodou-se numa poltrona feita de musgo, coberta por uma manta de pétalas secas. Tudo estava organizado: o estoque cheio, lenha empilhada, chá de erva-doce fumegando.
— Ufa... Um estoque completo, lenha suficiente, e um cronograma para passar os dias. Agora sim, paz.
Mas, antes que pudesse saborear seu chá, ouviu um barulho do lado de fora. Um ronco poderoso, acompanhado de uma buzina que parecia um assovio melodioso.
— Que raios é isso? — murmurou, assustada.
Abriu a portinhola de madeira e levou um susto.
Lá fora, coberta por um casaco de vison cintilante, com óculos escuros enormes e um batom vermelho-tulipa, estava Cantarella... dentro de uma Ferrari vermelha, reluzente, estacionada sobre o gramado congelado.
Ela acenou com elegância, exibindo unhas pintadas de dourado.
— Oi, Traba! Quanto tempo, né? Vim me despedir, tô indo passar o inverno em Paris!
— Pa-paris? — gaguejou a formiguinha. — Como assim, Paris?
— Sim! A cidade das luzes, do amor... e dos contratos musicais! Um produtor ouviu minha canção ali no bosque, gravou um vídeo, postou no TikTok e bum! Viralizou! Fechei um contrato de seis meses com um estúdio francês! Ah, e ganhei essa Ferrari de presente da gravadora.
A formiguinha estava boquiaberta.
— Eu... eu achei que você estivesse passando fome... congelando... mendigando sementes...
Cantarella deu uma gargalhada leve.
— Fofo! Mas não. Estava em turnê. Inclusive, vou abrir o show de uma borboleta pop-star chamada Lepidoptera. Incrível! Só passei aqui pra pedir um favor.
— Favor?
— Você pode cuidar da minha toca enquanto estou fora? Ah, e rega a samambaia pra mim?
A formiguinha, ainda tentando se recompor, apenas assentiu.
— Claro... sem problemas...
— Você é uma amiga e tanto, Traba. Ah, e quer que eu traga algo de lá? Um perfume? Um queijo francês?
A formiguinha respirou fundo, forçou um sorriso e respondeu:
— Só se encontrar o La Fontaine por lá…
— Quem?
— O autor da fábula original… Manda ele ir pro raio que o parta!
A Ferrari sumiu na estrada de terra com música alta tocando "Formiga não samba, mas cigarra sim!". Traba entrou de volta em sua toca, sentou-se à beira da lareira e olhou para o teto.
— Talvez... talvez eu devesse cantar de vez em quando. Ou, pelo menos, deixar espaço para o improvável. Nem tudo na vida é previsível. E quem disse que o sucesso só chega para quem faz planilhas?
Tomou um gole de chá, abriu um caderno em branco e, com um sorriso no rosto, escreveu no topo da página:
“Projeto: curso de canto — Início na primavera.”
Moral da História: Nem sempre a vida segue os roteiros que nos ensinaram. Às vezes, o acaso sorri para quem ousa sonhar, mesmo sem garantias.
Mas no fundo, talvez a verdadeira sabedoria esteja em equilibrar o trabalho com a alegria, a prudência com a esperança…
E quem sabe, cantar um pouquinho enquanto carrega a semente.

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